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Amazônia

Turismo exploratório no AM causa danos irreversíveis à fauna, diz bióloga

Bióloga citou danos que atividade traz ao meio ambiente

Foto: reprodução/acervo pessoal

Rico em biodiversidade, o Estado do Amazonas tem inúmeros destinos que atraem turistas o ano todo. Muitos visitantes buscam uma imersão na rotina das comunidades ribeirinhas, procurando uma experiência autêntica. Mas até que ponto esse tipo de turismo deixa de ser ecológico e a a explorar os animais da fauna?

Um vídeo da escritora e influenciadora Gisela Bacelar viralizou ao denunciar a exploração de animais silvestres em eios turísticos na Amazônia. Amarrados e impedidos de viver livremente, esses animais contrastam com casos como o da capivara Filó, retirada da natureza mesmo vivendo solta. Se há fiscalização ambiental, por que a exploração no turismo amazônico ainda persiste?

Antes de qualquer debate, é importante destacar que o turismo no Amazonas vem crescendo de forma constante. Segundo dados do Ministério do Turismo, Embratur e Polícia Federal, em 2024 mais de 28,4 mil turistas internacionais visitaram destinos amazonenses, um aumento de 18,2% em relação a 2023.

Nesse contexto, uma das atrações que mais chamam a atenção dos turistas são os eios que oferecem contato direto com animais silvestres. As atividades incluem mergulho com botos e fotos com jacarés, preguiças e macacos. Mas, para que esses encontros aconteçam, os animais, que deveriam viver livres na natureza, são mantidos sob controle e explorados comercialmente. Cada interação, como tocar ou fotografar, tem um preço.

Maus-tratos e tráfico ilegal de fauna

Foto: reprodução/acervo pessoal

À equipe do Em Tempo, a enfermeira Elisabeth Carvalho relatou que já participou do eio, pagando R$ 150 pelo ingresso, que incluía visitas a comunidades indígenas, banho com botos e fotos com vitórias-régias.

No entanto, além do valor do ingresso, as interações com os animais eram cobradas à parte e incentivadas pelos próprios organizadores do eio.

“Vi um jacaré com a boca presa por uma linha. Achei aquilo estranho, mas na hora, acabei pagando R$ 20 para tirar uma foto com o jacaré. Foi tudo muito rápido, e a guia até incentivou dizendo que era ‘normal’. Cada foto com os animais eram este valor”, disse a enfermeira.

A mesma situação foi presenciada pela dentista Maria Eduarda, uma mineira que mora na capital amazonense. Em sua percepção, a atração é mais voltada para as pessoas que não residem na região, por se tratar de uma realidade incomum para turistas.

“[Vi amarrado] apenas a boca do jacaré. Vi outros turistas tirando [foto]. Me ofereceram por R$ 20 cada fotografia. Senti pena dos animais, mas percebi que eram pessoas de fora se aproveitando do espaço turístico”, destacou.

Segundo a bióloga Rebeca Soares, os danos à biodiversidade podem ser irreversíveis, dependendo da forma como esses animais são explorados.

“A retirada de animais de seus habitats naturais interfere diretamente nas cadeias ecológicas, compromete o bem-estar das espécies envolvidas e, em muitos casos, promove o tráfico ilegal de fauna. Além disso, a domesticação forçada ou o confinamento de animais silvestres causa estresse, perda de comportamento natural e até a morte prematura desses indivíduos”, afirmou a profissional.

Um levantamento da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), publicado em janeiro, revelou que, desde 2001, cerca de 38 milhões de animais silvestres são retirados da natureza todos os anos na Amazônia brasileira.

Conscientização

Foto: Reprodução/@botodaamazonia

Essa não é a primeira vez que o turismo no Amazonas gera debates. Em 2018, o Ministério Público Federal realizou uma audiência pública para discutir a atuação de empresas que ofereciam eios com interação direta com animais silvestres.

Na ocasião, dados da organização não governamental Proteção Animal Mundial mostraram que 94% das excursões ofereciam a possibilidade de tocar e segurar animais para fotos, e em 74% dos casos, essa prática era ativamente incentivada.

Após a interação, o turista leva apenas algumas fotos como lembrança, mas, para os animais, os impactos são muito mais profundos. A quem financia esse tipo de atividade, o que resta é a reflexão sobre incentivar uma prática que compromete a ecologia local.

“Depois, parei para pensar melhor e percebi que contribuí com algo que não condiz com o respeito que devemos ter pelos animais. Como enfermeira, sempre fui muito sensível ao sofrimento, e foi só depois que me dei conta de que aquele jacaré e as preguiças, tão quietinhos, não pareciam felizes. Fiquei com peso na consciência”, relatou Elisabeth.

Deixar de incentivar esse tipo de atividade no Amazonas é um o essencial para romper o ciclo de sofrimento imposto a animais que deveriam viver livres em seu habitat natural.

“A conscientização da população é fundamental para romper com práticas que, embora mascaradas de ‘experiência cultural’, perpetuam a exploração animal e enfraquecem os princípios éticos da conservação. Financiar esse tipo de atividade contribui para a manutenção de um ciclo de sofrimento animal e degradação ambiental”, pontuou a bióloga Rebeca Soares.

Combate e preservação

Foto: Divulgação

No entanto, a conscientização da população, por si só, não é suficiente. É fundamental que os órgãos competentes adotem medidas concretas para combater essas práticas.

Ao Em Tempo, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) informou que, em parceria com o Batalhão de Policiamento Ambiental, vem intensificando as fiscalizações para coibir a exploração ilegal de animais silvestres no estado. Apesar dos esforços, as ações enfrentam dificuldades em razão da evasão dos infratores, principalmente em áreas de o fluvial. Em muitas situações, os envolvidos soltam ou escondem os animais antes da chegada das equipes.

No dia 17 de abril, por exemplo, foi realizada mais uma operação na região do Lago do Janauari, ponto recorrente dessa prática ilegal. Embora tenha sido constatada a presença de animais silvestres, não foi possível realizar flagrante, o que inviabiliza a aplicação de sanções istrativas.

Já no dia 22 de abril, o Ipaam participou de uma reunião promovida pela Empresa Estadual de Turismo (Amazonastur), com a presença de representantes da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-AM), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Associação de Guias de Turismo e outras instituições. O encontro tratou especificamente da utilização de animais silvestres como atrativo turístico, prática considerada crime ambiental.

Como encaminhamento, será formado um grupo de trabalho interinstitucional para planejar estratégias de combate à atividade e desenvolver campanhas de educação ambiental voltadas a turistas e operadores do setor.

A Amazonastur atua como órgão de sensibilização e conscientização contra a prática considerada crime ambiental e, dentro do plano de trabalho, lidera a campanha “Nunca Toque, Observe”, que orienta turistas e prestadores de serviços sobre o não manuseio de animais silvestres, bem como alerta para os canais de denúncia de irregularidades.

A equipe técnica participa continuamente de ações integradas com órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela regulamentação e fiscalização ambiental, atuando em pontos estratégicos da capital, como portos e marinas de embarque e desembarque para eios fluviais.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou ao Em Tempo que acompanha de forma contínua a situação na Comunidade Indígena dos Tuyuka, no município de Iranduba (AM), após denúncias de maus tratos a animais silvestres.

O local, conhecido por integrar roteiros turísticos como o “Safari Amazônico”, tem sido alvo de ações fiscalizatórias recorrentes. Em 2024, a Operação Safari Amazônico — coordenada pelo Ibama, com apoio da Polícia Civil, Polícia Militar Ambiental e Comando Militar da Amazônia — resultou na apreensão de sete animais silvestres capturados irregularmente. Só nesta localidade, o Ibama já lavrou 32 autos de infração, totalizando R$ 2,2 milhões em multas.

O artigo 33 da lei federal 6.154/2008, destaca que explorar ou fazer uso comercial de imagem de animal silvestre, mantido irregularmente em cativeiro ou em situação de abuso ou maus-tratos, é crime.

Leia mais: Deputada recebe denúncia de tráfico e maus-tratos de escorpiões e aranhas em Manaus

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