Há 137 anos, a escravidão era oficialmente abolida no Brasil com a da Lei Áurea. Desde então, a sociedade ou por grandes transformações, com avanços tecnológicos e sociais significativos. No entanto, o racismo ainda persiste, muitas vezes de forma velada ou até mesmo naturalizada em nosso cotidiano.
O Atlas da Violência 2025 escancarou uma das feridas mais profundas do Brasil: pessoas negras têm 2,7 vezes mais chances de serem vítimas de homicídio do que pessoas brancas. Essa desigualdade não se resume a números — ela se reflete nas periferias, nas prisões e nos cemitérios do país. Embora o índice tenha apresentado uma leve queda em relação a 2024, isso não diminui a urgência de implementar políticas públicas antirracistas, efetivas e mensuráveis.
Luta antirracista

O Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 75,2% da população de Manaus se declara negra; 5,6% preta; e 69,9% parda.
A Secretária Nacional de Ciência e Tecnologia da Unegro — União de Negras e Negros pela Igualdade —, Zanza Almeida, destacou ao Em Tempo a importância de reconhecer as marcas profundas deixadas pela escravidão e pelo racismo na sociedade brasileira, como o essencial para avançar na luta por igualdade social.
“Assumir uma postura que reconheça uma dívida histórica, que possivelmente nunca será paga como deveria, já é um movimento importante, o poder público aos poucos tem reconhecido o quão imprescindível é viabilizar espaços políticos estratégicos para o combate ao racismo, seja no legislativo, no executivo e no judiciário, e isso tem a ver com o combate ao racismo institucional, a representatividade de pessoas negras e quilombolas ocupando espaços de decisão faz com que as ações caminhem com mais firmeza”, afirma.
Para Almeida, atitudes antirracistas precisam partir da sociedade como um todo e se manifestar em todas as esferas — do cotidiano às políticas públicas.
“O movimento negro no estado e na capital tá se fortalecendo cada vez mais, temos lideranças importantes atuando e lutando pela implementação das políticas para igualdade racial, muitas pautas sociais e raciais nos mais variados âmbitos, educação, saúde, cultura, as mulheres negras; e pela organização para a Marcha das Mulheres Negras em Brasília, que ocorrerá em novembro, então, sem dúvidas, estamos em alta e numa luta antirracista potente“, disse a secretária nacional.
Semuripir

Para somar forças com a causa, a Prefeitura de Manaus criou, em 2023, a primeira secretaria dedicada exclusivamente à promoção da igualdade racial. A Secretaria Executiva de Relações Institucionais e Promoção da Igualdade Racial (Semuripir) tem como titular Walfran Torres, servidor de carreira, ex-vereador, ex-deputado estadual e primeiro gestor da pasta.
Atuando como subsecretário, o especialista em Igualdade Racial, Christian Rocha, se destaca como uma das principais vozes de resistência e defesa dos direitos da população negra na capital. Segundo ele, os primeiros trabalhos da Semuripir foram em parceria com outras pastas municipais.
“Iniciamos as atividades com centenas de atendimentos sociais, regularização de documentos de grupos étnico-raciais e acolhimento de denúncias”, destaca Rocha.
Mesmo sem dotação orçamentária própria, a secretaria tem conseguido promover ações relevantes por meio de parcerias. Um dos destaques é o fortalecimento dos debates sobre os diversos tipos de racismo — estrutural, institucional, ambiental e religioso — por meio de palestras em escolas, órgãos públicos e empresas privadas.
Entre os desafios da pasta, o subsecretário aponta a urgência de ampliar o letramento racial dentro da própria gestão pública e na sociedade.
“O maior desafio será sempre inserir a educação antirracista. Sentimos isso ao dialogar com autoridades e perceber a ausência desse letramento em alguns, mas também o desejo de aprender”, declara.
Embora celebre a criação da secretaria, Zanza Almeida ressalta que é fundamental priorizar a pauta antirracista nos debates, deixando de lado benefícios pessoais.
“A criação da Secretaria é um outro avanço advindo da pauta do movimento negro e que enfim o poder público reconheceu a necessidade. Mas é importante que o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial cumpra seu papel fiscalizador, em alguns momentos complica quando se mistura muito o movimento, os egos e o poder público, acaba que alguns interesses individuais se sobressaem às pautas antirracistas e coletivas”, finaliza.
Atlas da Violência

No Brasil, ser uma pessoa negra significa enfrentar um risco 2,7 vezes maior de ser vítima de homicídio em comparação a pessoas não negras. O dado alarmante faz parte do Atlas da Violência, divulgado nesta segunda-feira (12).
O dado foi registrado em 2023. Embora represente uma leve redução em relação a 2022 — quando o risco era 2,8 vezes maior — o indicador ainda mostra um agravamento na última década. Em 2013, pessoas negras tinham 2,4 vezes mais chances de serem assassinadas do que pessoas não negras.
O Atlas da Violência é elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao governo federal, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização sem fins lucrativos.
Coordenado pelo pesquisador Daniel Cerqueira (Ipea) e por Samira Bueno, diretora executiva do FBSP, o estudo considera como negros o grupo formado por pessoas pretas e pardas — que representam 55,5% da população brasileira e convivem com os piores indicadores socioeconômicos do país.
Ao analisar os índices de risco, os pesquisadores apontam que, apesar dos avanços na diminuição geral dos homicídios, “a desigualdade racial associada à violência letal não apenas persiste, como se intensifica”.
Dizer que o negro tinha chance de ser vítima 2,4 vezes maior que o não negro em 2013 e 2,7 vezes maior em 2023 representa que esse risco saltou 15,6% no período.
Leia mais: Secretaria antirracista em Manaus amplia ações pela igualdade racial
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