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Preocupação

Poluição nos igarapés de Manaus ameaça saúde e ambiente

Crescimento urbano desordenado e descarte irregular de lixo comprometem a qualidade da água e aumentam os riscos de doenças.

Foto: Clóvis Miranda e João Viana/Semcom

O descarte irregular de lixo e o acúmulo de resíduos sólidos nos igarapés de Manaus são problemas crônicos que causam danos ambientais e ameaçam a saúde pública. No último mês, a Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp) realizou o quinto transbordo do ano, retirando cerca de 400 toneladas de lixo dos rios e igarapés.

O acúmulo de lixo acende o alerta para a proliferação de doenças, que afetam, principalmente, populações em situação de vulnerabilidade, expostas a esses ambientes insalubres.

“A poluição com dejetos humanos, lixo, objetos descartados incorretamente favorece e tende a estagnar as águas, o que aumenta a possibilidade de proliferação de micro-organismos prejudiciais à saúde. Além de fomentar a proliferação de vetores como ratos, baratas, moscas e formigas, que podem levar micro-organismos nocivos de um local para outro. Sem esquecer que cobras, aranhas e escorpiões também contribuem para o risco de envenenamento”, destacou o médico infectologista Noaldo Lucena.

Ao Em Tempo, a médica infectologista Fabiane Giovanella Borges ressaltou que entre as doenças mais comuns estão as de veiculação hídrica, transmitidas pelo contato com água contaminada, como: leptospirose, hepatite A, diarreias infecciosas, dermatites, infecções de pele e zoonoses.

“Essas doenças não só causam sofrimento e ausência no trabalho ou na escola, como podem ter complicações graves e sobrecarregar os serviços de saúde pública”, disse.

Com a cheia dos rios no Amazonas, o lixo acumulado nos igarapés se aproxima ainda mais das áreas residenciais, atraindo animais como roedores, que transmitem a doença Leptospirose. Entre janeiro e março deste ano, foram registrado treze casos, um aumento de 85,71% em relação ao mesmo período de 2024 quando houve apenas 7 casos. Os dados são da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas.

Meio ambiente

Foto: Tiago Corrêa/UGPE

Além dos riscos à saúde, o acúmulo de lixo nos igarapés também ameaça a qualidade ambiental desses cursos d’água a longo prazo. O avanço desordenado da construção de moradias em Manaus dificulta a preservação e compromete a limpeza desses importantes corredores naturais.

“Atualmente, nesses locais, há acúmulo de lixo e encontram-se severamente impactados, incluindo a poluição do solo de suas margens, o que levou à perda de biodiversidade, à emissão de gases de efeito estufa e à proliferação de doenças. Destaca-se que muito do material que chega aos cursos d’água são resíduos sólidos, que poderiam ser reciclados, mas estão comprometendo a qualidade da água, os ecossistemas aquáticos e terrestres, e prejudicando a saúde humana, porque podem contribuir com a proliferação de vetores de doenças”, explica o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Sávio Ferreira.

Segundo o professor Welton Oda, do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Amazonas, enfrentar esse problema ambiental e social exige a união entre comunidade e poder público — uma cooperação que, atualmente, está ausente.

“Pensar uma cidade para as pessoas mais pobres, as pessoas que mais precisam, enquanto que, por exemplo, a prefeitura costuma resolver muito mais fácil o lixo, as questões ambientais no Vieiralves, no Adrianópolis, do que na Zona Leste e na Zona Norte. Se pensar a quantidade de recursos que são disponibilizados, você vai ver que há uma grande disparidade, então é preciso que o poder público seja ocupado também pelas camadas populares. […] É uma grande desigualdade econômica e isso também se reflete no poder público. Então é um poder público que não olha para os que mais precisam”, pontuou.

Ecobarreiras

Foto: Prefeitura de Manaus

Atualmente, a Prefeitura de Manaus investe em ecobarreiras, instaladas nos principais igarapés da zona urbana da capital. Essas estruturas flutuantes retêm os resíduos antes que cheguem aos rios. O lixo acumulado é recolhido regularmente e destinado de forma adequada.

Segundo o município, após a instalação das ecobarreiras, o volume de lixo lançado no rio Negro caiu 50%, ando de 800 para 400 toneladas mensais.

“É uma iniciativa pedagógica e transformadora”, destacou o presidente do Conselho Municipal de Gestão Estratégica (CMGE), Arnaldo Grijó.

Para o professor Welton Oda, a instalação das ecobarreiras ajuda a reduzir os impactos, mas não resolve o problema da poluição nos igarapés de Manaus.

“As ecobarreiras resolvem um dos problemas ambientais, que são os resíduos sólidos. Elas seguram esses resíduos para que não atinjam outros igarapés maiores ou os rios. Mas há um outro problema, mais grave, para o qual elas não resolvem nada. As ecobarreiras não são obstáculos para o esgoto, para o que é lançado das pias, dos banheiros, do vaso sanitário, por exemplo. Isso se transforma em alimento para os peixes e para toda a comunidade que vive nos igarapés. Só que é como se fosse um alimento lançado em grande quantidade — como se colocasse muita ração em um aquário —, o que acaba com o oxigênio da água e mata os peixes e toda a comunidade aquática por causa da poluição”, explicou.

A opinião é compartilhada pelo pesquisador do Inpa, Sávio Ferreira:

“A iniciativa é importante, pois reduz grande quantidade de resíduo que se desloca em direção ao rio Negro, mas é necessário que ele seja constantemente removido das barreiras. No entanto, não resolve o problema da poluição e da contaminação que estão dissolvidas ou em suspensão na água. Faz-se necessário o tratamento do esgoto e outras medidas para a restauração do ambiente aquático.”

Soluções

Foto: Divulgação

Entre as soluções viáveis, Sávio Ferreira destaca a importância da atuação conjunta do poder público com especialistas na preservação dos recursos hídricos em Manaus.

“Pesquisar e monitorar os ambientes aquáticos são fundamentais para a sociedade, pois o conhecimento é estratégico para a gestão dos recursos hídricos. Portanto, o poder público deve buscar, junto à academia, informações e conhecimentos para subsidiar a elaboração de projetos visando à restauração dos igarapés. Em alguns países, isso tem sido realizado. Como exemplo, citamos o caso da Coreia do Sul, onde o curso de água que drena Seul foi restaurado. Os moradores perceberam o esforço do governo e, hoje, desfrutam de um local de lazer e dos benefícios ambientais”, afirmou.

Welton Oda acredita que é preciso adotar soluções que contemplem toda a cidade, e não apenas áreas isoladas.

“Uma alternativa, que é mais ou menos o que estão pensando com a Lagoa do Japim, é concentrar o lançamento desse esgoto em um lugar só, que vira um lago de sedimentação. Esse material tende a ser consumido pelas bactérias, pelas algas que estão na água. Nesse sentido, elas acabam livrando o restante do ambiente de dejetos e evitam a contaminação de outras áreas. Mas isso precisa ser pensado para a cidade toda”, frisou.

Mobilização comunitária

Foto: Arquivo Pessoal

Em Manaus, o movimento “Juntos pelo Igarapé do Gigante” atua desde 2014 com ações de arborização, combate ao descarte de lixo nas margens do igarapé e a realização de palestras educativas nas comunidades ao longo do seu percurso.

“Eu sou filho de seringueiro e tenho aquela coisa de gostar de tomar banho em igarapés. Eu conheci Manaus com vários balneários, onde a gente tirava o fim de semana para ir aos igarapés. Fomos perdendo esses espaços, e chegou o momento em que comecei a pensar que algo poderia ser feito. Comecei a trabalhar no Igarapé do Gigante porque ele tinha alguns balneários que foram perdidos e, como fica no bairro onde moro, decidi criar esse movimento com o intuito de recuperá-lo”, finalizou o representante do projeto, Gilberto Ribeiro.

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