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Logística

Crise na BR-319: Impactos da paralisação e os desafios para o AM

Frequentes interrupções na BR-319 expõem desafios logísticos, sociais e ambientais no Amazonas

Foto: Reprodução/ Redes Sociais

A paralisação da BR-319, única via terrestre para conectar Manaus ao estado de Rondônia e, consequentemente, ao restante do país, trouxe à tona questões críticas sobre logística, economia e sustentabilidade no Amazonas.

Desde o dia 1º de junho, a região enfrenta uma série de interrupções devido a problemas estruturais nas travessias dos rios Curuçá e Autaz-Mirim, causando impactos significativos no transporte e na vida das populações locais. Embora reparos emergenciais tenham sido realizados, as interdições frequentes destacam a fragilidade da infraestrutura da rodovia e levantam questões sobre seus efeitos a longo prazo.

Logística

Foto: Divulgação

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), os bloqueios resultaram em filas de congestionamento que chegaram a até dois quilômetros. A economista Denise Kassama enfatiza que problemas como esses aumentam significativamente os custos logísticos.

“A travessia não é tão simples assim. amos por dois períodos de seca extrema, e isso também encareceu bastante o custo logístico, porque as balsas trafegavam mais lentamente, o que aumentou os custos — inclusive os de manutenção. […] Então, tudo encarece, tudo é reado, mais cedo ou mais tarde, para os preços, que acabam no bolso da gente, o consumidor final”, destaca ela.

A dependência de balsas e a frequente instabilidade nas travessias também afetam o fluxo de mercadorias e ageiros, agravando os desafios econômicos na região.

Ao Em Tempo, o comerciante Lucas Silveira relatou sua dependência da BR-319 para receber mercadorias vindas de outro estado. Cada nova interrupção na rodovia traz uma crescente preocupação com o risco de desabastecimento em seu mercado, afetando diretamente suas operações e a satisfação de seus clientes.

“Como comerciante que depende da BR-319 para receber mercadorias, essas interdições são um pesadelo logístico. Para nós, que vivemos do transporte de produtos, é como estar sempre à mercê de uma infraestrutura que não nos oferece segurança nem estabilidade”, diz o empresário.

O agente de segurança Mateus Portela, que utiliza a BR-319 para visitar sua família em Manaus, descreve a constante apreensão em cada viagem.

“É sempre uma incógnita qual transtorno enfrentarei. Com esses constantes problemas, não sei como terei coragem de me arriscar novamente”, lamenta.

Colapso na pandemia

Foto: Reprodução

Os transtornos associados à BR-319 remetem inevitavelmente ao colapso na saúde pública enfrentado pelo Amazonas, quando o estado ficou isolado e sem o ao oxigênio indispensável para salvar vidas. Para prevenir crises semelhantes e superar outros desafios logísticos, defensores da revitalização da rodovia reforçam a pressão sobre o governo, buscando soluções que assegurem a conexão terrestre e a proteção da população.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) fez um pronunciamento durante sessão no Senado Federal, no último dia 27, com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Defensor histórico da pavimentação da BR-319, Aziz cobrou do governo federal mais do que promessas: pediu resolutividade para garantir a infraestrutura essencial ao povo do Amazonas.

“Quero resolutividade, não discurso!”, disse o senador.

Em tom crítico, Omar comparou as dificuldades enfrentadas na Amazônia com o que chamou de permissividade em grandes centros urbanos. Ele afirmou que obras emblemáticas do país, como Brasília, não seriam viáveis hoje sob as mesmas regras ambientais aplicadas à BR-319.

“Se Brasília tivesse que ser construída hoje, Juscelino Kubitschek levaria 100 anos — coisa que ele fez em cinco — porque, se um calango estivesse lá, o Ibama não permitiria. O Lago Paranoá não existiria, Camboriú não existiria, Ipanema não existiria, Copacabana não existiria. E nós é que temos que pagar essa conta?”, questionou Aziz.

O momento mais emocionante do discurso foi quando o parlamentar relembrou a crise do oxigênio durante a pandemia da Covid-19 em Manaus. Segundo ele, a falta de uma ligação rodoviária adequada com o restante do país agravou a tragédia.

“Eu vi quinze mil pessoas morrerem na cidade de Manaus por falta de oxigênio, porque a BR-319 não estava asfaltada e era época de inverno, ministra. Meu irmão morreu por falta de oxigênio, amigos meus morreram por falta de oxigênio, porque não havia uma estrada para levar oxigênio. A senhora quer que eu fique ivo diante de tudo isso?”, desabafou.

Impactos ambientais

Foto: Divulgação – Orlando Júnior

Do outro lado da moeda, a preocupação gira em torno dos riscos de degradação ambiental que a reconstrução da BR-319 pode impor à floresta e às comunidades tradicionais, colocando em pauta a necessidade de equilíbrio entre desenvolvimento e conservação.

O professor Welton Oda, do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Amazonas, alerta que a intensificação da atividade humana ao longo da rodovia pode levar à degradação de áreas de floresta antes preservadas.

“O aumento da atividade humana certamente afugenta boa parte da fauna, mas também conduz, quase inevitavelmente, à poluição do ar, do solo e das águas. Se o Amazonas é um dos estados com maiores percentuais de floresta conservada, grande parte disso se deve à ausência de ligação rodoviária com os grandes centros”, argumenta.

A necessidade de estradas é amplamente debatida na sociedade, mas, segundo Welton, grande parte das discussões ignora as questões ambientais, focando principalmente nos benefícios financeiros de grupos que lucrarão diretamente com a reconstrução da BR-319.

“Há um discurso muito difundido sobre a população que vive nas comunidades da região da BR e que precisaria da estrada. O fato é que essa população nunca se manifesta na mídia, nunca tem espaço para falar. E quem fala por ela? Parlamentares fazendo lobby para grandes grupos econômicos, como os latifundiários ligados à soja e outros empreendimentos que precisam transportar mercadorias por caminhões“, pontua Oda.

Sustentabilidade e inclusão social

Foto: Comunidade São Pedro durante manifestação na BR-319/Reprodução

A presença de comunidades tradicionais e povos indígenas ao longo da BR-319 é um ponto crítico que deve ser considerado. A não consulta a essas populações em projetos de infraestrutura frequentemente resulta em violações de direitos e degradação socioambiental.

“A legislação brasileira é clara a esse respeito: sem a concordância dessas populações, nada poderia ser feito. Apesar disso, o autoritarismo das instâncias de Estado, no Brasil, atropela a legislação e, muitas vezes, ignora essas comunidades, fraudando laudos em algumas ocasiões e atropelando a lei”, ressalta Welton Oda.

Modelos sustentáveis de desenvolvimento, baseados em policultivos e produção descentralizada, podem oferecer soluções equilibradas entre progresso econômico e preservação ambiental. “A Amazônia possui modelos autônomos de economia, sustentados por comunidades que vivem de forma equilibrada com a natureza”, argumenta Oda.

DNIT

O Em Tempo entrou em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pelas obras remanescentes de pavimentação na BR-319, para obter esclarecimentos sobre as recentes interrupções na rodovia. Até o momento, não houve retorno, mas o espaço permanece aberto para manifestação.

Leia mais: BR-319 sofre nova interdição na travessia do rio Autaz Mirim, no AM

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