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Segurança pública

‘Proteção inimiga’: Quando a população é coagida pelo crime organizado

No Amazonas, foram identificados 21 municípios com presença de facções criminosas comandando comunidades

Foto: Divulgação

As regiões mais periféricas do Amazonas enfrentam uma série de desafios, que vão desde a carência de infraestrutura básica até a ausência de segurança pública adequada. Nesses locais, onde o Estado tem presença limitada, o crime organizado assume o controle, muitas vezes funcionando como uma “polícia paralela”.

Segundo o levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em conjunto com o Instituto Mãe Crioula, no Amazonas foram identificados 21 municípios com presença de facções, sendo que em 13 destes havia apenas um grupo criminoso e em 8 foi observada a coexistência de duas ou mais facções.

Diante desta realidade, os moradores acabam se adaptando às normas das comunidades dominadas pelo tráfico de drogas, uma vez que, em alguns casos, acreditam que a polícia não será capaz de atender às necessidades e resolver os problemas locais de forma eficaz.

Proteção inimiga

Foto: Reprodução

Maria (nome fictício para preservar a segurança da entrevistada) é moradora de uma comunidade que carece de atenção básica. Ao EM TEMPO, ela conta que alguns crimes ocorridos no seu ciclo social são resolvidos pelo crime organizado.

“Quando há um roubo numa comunidade, muitas das vezes a comunidade não procura a polícia, porque o o até a comunidade é dificultoso. Muitas das vezes a polícia não vai mesmo, não entra porque não quer, na minha concepção. Não entra porque não quer. O que a comunidade faz? Procura o traficante, que o traficante vai dar proteção para essa comunidade, entendeu? Aí é por isso. Aí na comunidade, roubo se torna zero, entendeu? Porque a comunidade confia mais no traficante do que na polícia”, disse.

Assim que o tráfico ocupa a posição de “polícia”, a comunidade a a considerar aquele traficante como responsável pela ordem naquela localidade, explica Maria.

“O cara vai, rouba, chama a polícia, a polícia não resolve, o tráfico resolve, o traficante resolve. E assim, então, a comunidade respeita o traficante, por ele estar dando proteção, enquanto a polícia não dá proteção para essa comunidade”, descreve a moradora.

Dentro dessas áreas, o que impera é a “lei dos manos”, como diz outro morador de comunidade localizada em Manaus. Se algo acontecer e precisar resolver a situação de forma imediata, a população aciona o traficante que domina a área.

“Um morador comprou algo de um vendedor, que não entregou o acertado. E na enrolação, com a perda da paciência, o morador acionou o ‘chefão da área’, e a situação foi resolvida num pulo. Aí o mau vendedor ainda disse que não precisa ter chegado ao extremo de acionar o ‘chefe’. Lá tem a ‘lei dos manos’, que não pode roubar morador do conjunto, senão vai para o tribunal do crime”, revelou.

Falsa assistência

Foto: Prefeitura de Manaus

Esse sentimento de falsa proteção nas comunidades periféricas é resultado de problemas sociais profundos, já que nem sempre a polícia conseguirá adentrar em ruas e vielas dominadas pelo crime.

“Elas são compelidas, é o que a gente chama de poder vazio de espaço, não tem espaço vazio na segurança. Quando o Estado não ocupa, alguém ocupa. […] Eles são obrigados. O cara tá na rua dele, não tem luz, não tem água, não tem asfalto. […] Quando você não tem água, luz e não tem infraestrutura para a viatura entrar, pronto, aí você já perdeu o controle. […] Aqui em Manaus, os caras não tem nem asfalto. Tem áreas aí que a viatura não entra, ela para na esquina, no máximo, e depois não tem para onde ir mais”, afirmou o especialista em Segurança Pública, Hilton Ferreira.

Na opinião do profissional, essa falsa proteção é, no mínimo, imoral. A deficiência na segurança pública abriu espaço para o crime organizado, um problema que deveria ser combatido na raiz da questão, segundo Ferreira.

“O nosso macro é a tríplice fronteira, por ar, por terra e por água. Só quem tem poder hoje de estrutura material, bélica e financeira, para esse macro não refletir, são as Forças Armadas. Fora isso, e a Lei 97/99, já dá o poder de polícia às Forças Armadas”, explicou Hilton.

Com o tráfico de drogas entrando cada vez mais nas comunidades, o crime organizado vai moldando o dia a dia das periferias, como se a situação fosse cotidiana.

“A droga já está em Manaus, ela tem que vender para alguém, o consumidor está lá, ele precisa guardar. Como que ele guarda? Ameaçando morador, cobrando taxa disso, taxa daquilo, e aí ele domina a área, é assim que funciona. Começa pelo macro, ele chega e descarrega aqui em Manaus, vamos supor, deixa meia tonelada na zona leste, onde ele vai botar? Ele vai botar lá perto do shopping? Ele não vai guardar ali porque toda hora tem viatura ando, tem câmera, tem tudo. Vai guardar onde? Nas áreas onde ele tem controle, onde não tem infraestrutura”, destacou o especialista.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado na quinta-feira (13), destacou que o crime organizado movimenta R$ 348 bilhões/ano no Brasil. Entre esses números, destacam-se os R$ 186 bilhões provenientes de cybercrimes e roubos, os R$ 146 bilhões ligados a produtos como combustíveis, bebidas, cigarros e ouro, e os R$ 15 bilhões do tráfico de cocaína.

Soluções

Foto: Carlos Soares/SSP-AM

Para combater a atividade ilegal, é necessário mudar a postura e aumentar o quadro de policiais que atuam na cidade, em todas as zonas e assim, garantir seguranças as comunidades mais longínquas .

“O Amazonas ficou 12 anos sem contratar policiais, 12 anos. Então, para você atender as recomendações das Organizações das Nações Unidas (ONU), hoje nós precisaríamos ter no mínimo, no mínimo aqui, 12 mil policiais. O policiamento preventivo é o que deve ser investido”, pontuou Ferreira.

O estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que o Amazonas perdeu 11% do efetivo das polícias civil e militar em 10 anos. Em 2013, o Estado tinha um efetivo de de 11.571 policiais civis e militares; já em 2023, foram contabilizados 10.281 agentes de segurança pública.

Para Hilton Ferreira, além de aprimorar a estratégia contra o crime organizado, é necessário também investir em uma relação de confiança com a própria população.

“A guarda municipal deve ocupar todas as praças. Na hora que ela atingir um quadro de pelo menos 2 mil guardas, só para ocupar as praças, já alivia o trabalho da Polícia Militar. […] Outro ingrediente importantíssimo na segurança é o policiamento de proximidade, o chamado policiamento comunitário, aquele que o policial conhece o morador, o morador conhece o policial, a relação de proximidade e de confiança”, enfatizou o profissional.

Como resposta, nesta última semana, a Prefeitura de Manaus destacou que ampliou o número de policiais que atuam na Guarda Municipal. O quadro de 50 profissionais ou para 276 após a realização do concurso público.

“Depois de 74 anos, fizemos o primeiro concurso público para agentes armados. Quando assumimos, a Guarda Municipal tinha apenas dois veículos. Hoje, temos 100 entre carros e motos. Agora, vamos instituir, em várias áreas da cidade, o reconhecimento facial, em parceria com o Ministério da Justiça. Até o final do ano, vamos convocar mais 130 guardas e, no ano que vem, vamos ter mais um concurso da Guarda Municipal para mais 500 agentes. Assim, em 2027, teremos quase 1500 homens e mulheres preparados para ajudar na segurança pública. Mesmo não sendo de nossa responsabilidade, estamos fazendo a nossa parte para melhorar a vida da população”, disse o prefeito David Almeida.

O Governador Wilson Lima também anunciou, nesta semana, a convocação de mais de mil novos aprovados nos concursos públicos das Forças de Segurança, realizados em 2022. Com o novo chamamento, o Amazonas chega a 2,8 mil convocados desses concursos, ultraando o quantitativo de 2,4 mil vagas previstas, inicialmente, nos editais.

“O impacto que esperamos (com as novas convocações) é uma agilidade nos serviços, uma pronta-resposta à população no momento em que ela necessita e o aumento do efetivo no interior do estado, sobretudo nas regiões de fronteira e nos municípios, onde há uma influência principalmente do rio Solimões. Vamos ter impacto na redução de homicídio, roubos e furtos, enfim, um ganho significativo”, afirmou Wilson Lima.

Em março, 264 convocados assumem os cargos. São eles: 63 aprovados para a Polícia Civil, entre delegados, escrivães, investigadores e peritos; 36 aprovados para a SSP-AM, entre técnicos de nível superior e assistentes operacionais; 38 aprovados para o Detran-AM, em substituição de convocados anteriores que desistiram dos cargos. Também em março, 127 alunos oficiais da Polícia Militar, entre oficiais e oficiais de saúde, iniciando o curso de formação.

Para os novos chamamentos, que assumem em março e junho, o Governo do Amazonas vai investir mais de R$ 75 milhões em 2025, sendo mais uma etapa de execução da política de fortalecimento da Segurança Pública do Estado.

Leia mais: Combate ao narcotráfico no Amazonas exige união entre órgãos de segurança

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