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Novo Código Eleitoral é uma proposta elitista, avaliam especialistas

Ao Em tempo, especialistas apontam que o novo Código Eleitoral não atende às necessidades da sociedade e favorece a elite política

Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Uma nova versão do relatório sobre a reforma do Código Eleitoral (PLP 112/2021) já está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ao Em Tempo, cientistas políticos analisaram o novo projeto que tramita no Senado.

Uma das principais alterações prevê a reserva de 20% das vagas no Legislativo para mulheres, tanto no âmbito federal quanto nos estados e municípios. O relatório propõe ainda mudanças no período de inelegibilidade e prevê quarentena para policiais e juízes se candidatarem.

Na avaliação do cientista Carlos Santiago, a proposta de reforma eleitoral, como está formulada atualmente, reflete uma agenda elitista, visando garantir o controle dos recursos públicos nas mãos dos grandes partidos e líderes políticos. Ele ressaltou que, ao não contemplar uma verdadeira reforma partidária, a medida perpetua a sub-representação de grupos como mulheres e indígenas e mantém a sociedade distante das decisões que impactam diretamente os eleitores.

Segundo ele, a proposta em trâmite no Congresso Nacional beneficia unicamente a elite política, sem promover mudanças estruturais que atendam às reais necessidades da população.

“Do jeito que está a proposta, mantém o controle dos recursos públicos nas mãos dos grandes partidos, mantendo, inclusive, os grandes caciques no controle dos partidos políticos. Em nenhum momento fala-se em reforma partidária. As mulheres vão continuar sub-representadas, assim como os indígenas, e a sociedade continuará distante dessas decisões do Congresso Nacional, mas que atingem diretamente os eleitores. É uma proposta da elite do Congresso Nacional para a elite do Congresso Nacional”, disse o especialista.

Debate

O advogado e cientista político Carlos Santiago destacou que a proposta de um novo Código Eleitoral necessita de um debate mais profundo com diversos setores da sociedade, incluindo a sociedade civil, universidades, empresários e trabalhadores, uma vez que altera de maneira significativa as regras do jogo eleitoral.

“A proposta de um novo Código Eleitoral requer um debate profundo com a sociedade civil, com as universidades, com os setores do empresariado, dos trabalhadores, porque vai mudar a regra do jogo eleitoral. Modificações que estão sendo feitas pelo Congresso Nacional nem sempre espelham a vontade da sociedade; geralmente, o Congresso Nacional, nesses temas, fica de costas para o eleitorado”, salientou o advogado.

Afastamento

Para o cientista político, o afastamento de cargos públicos, como de juízes, militares e membros do Ministério Público, para disputar um cargo eletivo pode ser mais reduzido, podendo ser de apenas dois anos, não de quatro anos.

“Quatro anos é muito radical, é como se o Congresso Nacional quisesse dar uma resposta a algumas investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela polícia. Somente 20% de cadeiras para as mulheres é muito acanhado, poderia existir uma paridade entre homens e mulheres. Disputar um pleito é um tempo muito longo, poderia ser dois anos”, avaliou Santiago.

Críticas

Santiago criticou a proposta que destina apenas 20% das cadeiras do parlamento para as mulheres, considerando-a uma medida insuficiente. Ele sugeriu que deveria haver paridade entre homens e mulheres nas casas legislativas, argumentando que essa seria uma forma mais efetiva de promover a representatividade feminina.

“A proposta de somente 20% de cadeiras para as mulheres é muito acanhada. Poderia existir uma paridade entre homens e mulheres nos parlamentos. Poderia haver uma modificação do mandato do senador da República por apenas quatro anos. Poderia existir, inclusive, uma proposta em que o suplente do senador seria o segundo mais votado”, disse Santiago.

O cientista político Helso Ribeiro também criticou de forma contundente a proposta de aumento da participação feminina nos parlamentos, prevista no novo código eleitoral.

Para ele, o aumento de 20% é apenas uma resposta superficial para mostrar que algo está sendo feito em prol das mulheres, mas não resolve o problema estrutural de sub-representação feminina.

De acordo com Ribeiro, a atual participação das mulheres nas casas legislativas do Brasil gira em torno de 14% a 16%, o que coloca o país em uma posição vergonhosa em comparação com outros países da América Latina.

“Atualmente, nos parlamentos — vamos colocar aqui no plural, tomando o Congresso Nacional como base — a participação de mulheres gira em torno de 14% a 16%, dependendo da casa. E os políticos participam de conferências nacionais e internacionais, e o Brasil é vergonhosamente visto nessas conferências. Só para você ter uma ideia, não existe país no continente americano que tenha menos mulheres nos parlamentos do que o Brasil”, explicou Helso Ribeiro.

Para o especialista, a proposta de elevar a cota feminina para 20% é insuficiente. Ribeiro sugeriu que, especialmente em cargos proporcionais, como os de vereadores e deputados, seria possível alcançar uma representação de 50% para homens e mulheres sem dificuldades, por meio de um sistema de votação em lista com alternância de gêneros. Ele defendeu que essa medida seria uma solução simples, mas apontou que os políticos preferem adotar uma abordagem mais simbólica, sem efetivar uma verdadeira mudança.

A reforma e suas implicações

O atual texto é composto por 205 páginas, que buscam consolidar em quase 900 artigos a legislação eleitoral — até então contemplada em diversas normas, entre elas o atual Código Eleitoral e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A nova proposta de Código Eleitoral, já aprovada na Câmara, divide-se em 23 livros que dispõem sobre: as normas eleitorais; os direitos e deveres fundamentais dos eleitores e sobre o voto e a liberdade de exercício do voto; os partidos políticos; a istração e a organização das eleições; o alistamento e o cadastro eleitoral; a inelegibilidade; e a fiscalização; entre outras questões.

O atual Código Eleitoral está próximo de completar 60 anos. Ele foi sancionado em 15 de julho de 1965, no início da ditadura militar, pelo então presidente Castello Branco. O texto já sofreu várias alterações, entre elas as necessárias em razão da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Inelegibilidade

O novo relatório do Código Eleitoral propõe uma ampliação do prazo de inelegibilidade, que se refere ao período no qual um candidato não pode se candidatar após deixar um cargo público.

Essa quarentena visa garantir que pessoas que ocupam cargos como policiais ou juízes, e que podem ter uma influência indevida durante sua atuação profissional, aguardem um período sem vínculo com esses cargos antes de se lançarem em uma campanha eleitoral.

Com essa alteração, a reforma busca aumentar a imparcialidade do processo eleitoral, prevenindo que figuras de poder como juízes e policiais utilizem sua autoridade para obter vantagens em uma corrida eleitoral.

O PLP 112/2021 confirma que, em nenhuma hipótese, a inelegibilidade — impedimento legal de disputar eleições — ultraará o prazo de oito anos. Nos casos de inelegibilidade após condenação por crime, como previsto na Lei da Ficha Limpa, o relatório prevê que a contagem do tempo ocorrerá a partir da decisão.

A proposta também determina que, nesse prazo de oito anos, será computado o tempo transcorrido entre a data da publicação da decisão e a data do trânsito em julgado, quando termina a possibilidade de recursos.

O cientista político Helso Ribeiro abordou a questão da igualdade de concorrência no contexto do novo Código Eleitoral, destacando a crescente força da chamada “bancada da bala” no cenário político.

Segundo Ribeiro, profissionais do serviço público, como policiais, têm uma vantagem competitiva ao se lançar como candidatos, especialmente considerando o impacto de sua atuação na sociedade. Ele observou que, enquanto um policial que participa de eventos de grande repercussão pode atrair mais votos, um trabalhador de uma profissão privada, como um pipoqueiro, enfrentaria maiores dificuldades para competir nas mesmas condições.

Ribeiro reconhece que essa desigualdade de condições de concorrência é um fator importante no processo eleitoral, pois qualquer profissional do setor público, seja um policial, médico ou outro, tende a ter uma visibilidade e um poder de influência maior sobre a população, o que coloca os trabalhadores do setor privado, como engraxates ou operários, em desvantagem.

“Do ponto de vista da igualdade de concorrência, é claro que hoje a gente vê um crescimento forte da chamada ’bancada da bala’. É claro que um policial que participa de um evento de impacto para a sociedade muito recente, ele vai concorrer a uma carreira no legislativo com mais chances do que o pipoqueiro, que só vende pipoca. Então, nesse aspecto, eu diria que qualquer ente do serviço público que concorra, ele leva uma vantagem sobre aquele que, a princípio, está na área privada”, disse o advogado.

Cotas

Para garantir o direito das minorias na política, o PLP 112/2021 estabelece uma série de regras, como a obrigatoriedade de os partidos apresentarem listas que observem o mínimo de 30% de candidaturas por sexo no caso da eleição proporcional.

Também determina que, na distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, haverá a previsão de contagem em dobro de votos em mulheres, indígenas ou negros.

Além disso, o texto prevê que caberá às mulheres o mínimo de 30% das inserções anuais nas propagandas políticas a que têm direito. As propagandas devem estimular a participação política de outras minorias, entre elas pessoas negras, indígenas e com deficiência.

Helso Ribeiro avaliou que o percentual de 30% de candidaturas já existe, mas muitas pessoas pensam erroneamente que é uma cota exclusiva para mulheres. Ele explicou que, na verdade, partidos como o PMB (Partido da Mulher Brasileira) não podem lançar 100% de candidatas, devendo apresentar pelo menos 30% de homens também.

“Os 30% de candidaturas já existem, o pessoal até acha que é para a mulher. Não, tanto faz. O PMB, o Partido da Mulher Brasileira, não pode lançar 100% de candidatas. Ele tem que lançar pelo menos 30% de homens também. Por sinal, o único eleito deputado e vereador é homem do Partido da Mulher. Acho que isso vai influenciar muito pouco, o Brasil vai continuar na lanterna do continente em relação à representação feminina”, finalizou Ribeiro.

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